quarta-feira, 11 de abril de 2012


JARRO

Nome científico: Arum italicum Mill. subsp. neglectum (Towsend) Prime

Nome vulgar: jarro, jarro-dos-campos, alho-dos-campos, arrebenta-boi, bigalhó, candeias, sapintina, serpentina.

Origem/ Distribuição geográfica: Oeste e Sudoeste da Europa e Norte de África.

O género Arum L. pertence à família botânica das Aráceas e é constituído por cerca de 26 espécies duas das quais são espontâneas em Portugal.  O nome é de origem grega (aron era o termo usado por Teofrasto para designar estas plantas).  Apesar de crescerem nos nossos bosques e prados também podem ser cultivados.  O seu interesse ornamental deve-se à forma e coloração das folhas, à bizarra inflorescência (as flores encontram-se organizadas em conjunto, parecendo uma única flor) e à cor vermelho vivo dos frutos.

Todos os órgãos da planta contêm diversos compostos químicos como os saponósidos, os alcalóides e no rizoma (caule subterrâneo) existem ráfides (cristais em forma de agulha) de oxalato de cálcio, que lhe conferem toxicidade; porém as doses letais são tão elevadas que raramente sobrevém a morte.  Esta toxicidade é eliminada por processos de confeção que impliquem fervura, tendo mesmo, os rizomas misturados com farinha, sido utilizados para fazer pão.  Raramente utilizado nos dias de hoje, era frequente na medicina medieval na qual, o pó do rizoma misturado com outras plantas tinha a reputação de tratar as perturbações gástricas, sendo empregue como laxante bem como para o tratamento de úlceras. O tubérculo do jarro usou-se mais recentemente como expetorante, geralmente para combater o catarro, mas não é muito aconselhável que esta utilização já que as ráfides de oxalato de cálcio podem espetar-se na faringe provocando uma tumefação que afeta a respiração e, por vezes, as cordas vocais, provocando uma incapacidade temporária de falar.  As folhas frescas são aplicadas sobre as queimaduras na pele, tendo o cuidado de se renovar constantemente para que esta não infete. As folhas também podem ser trituradas num almofariz e a partir daí fazer-se uma pasta que tem um poder cicatrizante.

A polinização das espécies do género Arum L. constitui um exemplo extraordinário da complexidade dos mecanismos de polinização que tantas vezes passam despercebidos.  A estrutura da inflorescência é extremamente especializada (ver fotografia).  As flores são unissexuadas (umas são masculinas e outras femininas, ao contrário do que geralmente acontece – é mais comum as flores serem hermafroditas) e dispõem-se numa espiga de eixo carnudo, o espadice.  Na parte inferior encontram-se as flores femininas férteis, depois, um pouco acima, existe um anel de flores estéreis que terminam num apêndice filiforme, segue-se um anel de flores masculinas e acima destas um novo anel de flores estéreis, a partir do qual, o espadice se alarga em forma de clava.  A envolver toda esta estrutura existe uma espata (bráctea ou folha modificada que envolve a inflorescência), cuja coloração apresenta frequentemente tons ou máculas avermelhados, com uma epiderme interna extremamente lisa e, por vezes, lubrificada por um óleo escorregadio para os insetos que aí poisem.  O desagradável odor fedorento exalado durante a floração pela parte aclavada do espadice, por vezes conjuntamente com as cores da espata, atrai os polinizadores que ao tentarem poisar na epiderme interna da espata acabam por cair no seu interior.  A disposição dos apêndices filiformes das flores estéreis apenas permite a entrada dos polinizadores, funcionando como uma válvula que só permite o fluxo numa direção, e impossibilitando que estes saiam do interior da inflorescência.  As flores femininas, já maduras, produzem néctar que alimenta os polinizadores durante o período em que permanecem prisioneiros no interior da inflorescência e, fazem com que estes se desloquem pela sua superfície, até que o pólen proveniente de outra inflorescência seja depositado nos seus estigmas, expostos pela ausência de perianto, e as fecunde. Um tecido especializado permite a oxigenação da câmara inferior da espata, onde se encontram os insetos aprisionados, evitando que estes morram durante o período de um ou mais dias em que se concretiza a fecundação.  Só depois da maioria das flores ter sido fecundada e deixar de produzir néctar é que as flores masculinas amadurecem e, simultaneamente, os apêndices das flores estéreis murcham permitindo a saída dos insetos que ao passarem pelos estames se carregam de pólen.  Assim, carregados de pólen, procurarão novas inflorescências, cumprindo a função de realizarem a fecundação cruzada, que assegura a variabilidade genética dos jarros.

No género Arum L., bem como noutros géneros de Araceae, a temperatura do espadice eleva-se até 21,8 ºC a uma temperatura ambiente de 14,9 ºC, durante a antese (abertura das flores), fazendo volatilizar compostos com odores fedorentos, mas que atraem os polinizadores.  É o elevado consumo das reservas glicídicas que ocorre nesta fase o responsável pela degenerescência, após a fecundação, do espadice, da espata e dos apêndices das flores estéreis, que abre o caminho da liberdade aos insetos polinizadores.  Estudos recentes efetuados em Aráceas conduziram à descoberta de fenómenos de respiração celular até então desconhecidos envolvendo proteínas desacopladoras da respiração mitocôndrial que, fazendo circular “rapidamente” os eletrões da cadeia respiratória por uma via alternativa aos citocromos (resistente ao cianeto que inibe a respiração ligando-se a estes complexos) promove a elevação da temperatura em alguns órgãos vegetais.  Estas proteínas termogénicas, semelhantes no seu funcionamento às proteínas do tecido adiposo castanho dos animais invernantes (que têm a função de produzir calor), foram descobertas posteriormente em muitos outras plantas revelando-se de funções muito mais vastas do que se supunha inicialmente.  Crê-se que o facto de muitas plantas cianogénicas (produtoras de cianeto, um potente veneno para os animais, utilizado, por exemplo, nos raticidas) não serem intoxicadas pelo cianeto que produzem para exterminar os parasitas e predadores se deve à presença de uma destas proteínas: uma oxidase alternativa que permite uma respiração mitocôndrial alternativa à via citocrómica que, sendo menos eficiente, assegura uma respiração mínima não inibida pelo cianeto e supostamente suficiente para permitir o funcionamento de uma enzima desintoxicadora, como a hidroliase do formamido que diminui os níveis de cianeto de forma a permitir, novamente, o funcionamento da via citocrómica.  Desta forma, as células da planta conseguem respirar, em condições em que tal seria impossível no caso dos animais, uma vez que o cianeto bloqueia a respiração celular. Existem evidências de que estas oxidases alternativas poderão, inclusivamente, regular todo o metabolismo das células vegetais.